Amanda - Quarta Parte

QUARTA PARTE

  Depois da descoberta, todos pareciam suspeitos. Os olhos dos dois jovens humanos corriam pelas pessoas procurando por alguém que tivesse um comportamento estranho. Giuliano estava atento segurando, por dentro do casaco, uma estaca de madeira feita em casa. Nenhum dos dois podia negar que por trás daquele ato corajoso, o medo predominava suas mentes. E foi pensando nessa última palavra que Marianna se arrepiou até a espinha.
  Eles não podiam falar nada. O vampiro poderia ouvi-los e saber que estavam a sua procura. A verdade era que, no fundo, Giuliano sempre esteve preparado contra ataques de vampiros. Comprava verbena para colocar na comida de seus pais, tinha algumas estacas no fundo do armário, a bússola que comprara pela internet, um antigo manual de sobrevivência... Tinha tudo sobre controle.
  Eram muitas pessoas. Eles não conseguiam acompanhar todas ao mesmo tempo. E alguém, entre eles, era um vampiro. Marianna estava tão focada na bússola que nem percebeu quando bateu em alguém.
  “Epa, desculpe...”
  Ela levantou o olhar para sorrir e continuar à procura quando se deu conta de que a bússola estava descontroladamente louca. Correu atrás da pessoa de casaco e botas pretas, quando se deu conta de que era o antigo professor de história do colégio.
  “Professor Leonard?”
  Enquanto isso, na casa, Dan na sala e Amanda no quarto, não havia muito o que fazer. Apenas esperar. A vampira não tinha forças para sair da cama, muito menos abrir os olhos ou falar. Sentia cada membro de seu corpo pegando fogo e que cada segundo de sua vida estava sendo perfeitamente contado. Ela queria apenas que aquela dor acabasse. Que algo melhor acontecesse em seguida. Riu mentalmente. Como se tivesse muita coisa para se fazer. Sabia que acabaria morrendo e que nada no mundo ia ser pior do que saber que seus amigos estariam sozinhos lidando com esse novo estranho mundo. Aquilo estava muito errado. Queria Dan consigo. Ele a deixava confortável, mesmo sendo perigoso. Se morresse, ao menos seria em boa companhia.
  “Dan.” – balbuciou e em poucos instantes eles já estava ali ao seu lado.
  Seu corpo se aproximou do dela e ambos gostavam do clima quente e frio ali.
  Na praça, o professor levantou a cabeça e um sorriso apareceu de baixo do capuz, na sombra. Os dois tremiam de medo, porém mantinham a máscara de valentes. Ele não seria louco de atacar pela manhã. Todos descobririam sua identidade.
  “Como chegaram até mim?”
  “O que você é?”
  “Como descobriram sobre mim?”
  Giuliano estreitou os olhos. Não havia outra opção. Leo era o vampiro que procuravam. Porém, em questão de segundos, o homem encapuzado não estava mais ali. Quando apareceu, estava com Mari. Segurava-a com as mãos tapadas por luvas. Sem poder gritar, a frágil humana rezava por socorro. Giuliano sabia que a oportunidade era uma e que não poderia falhar, se não, perderia mais uma amiga.
  O Original tirou lentamente os cabelos na garota para o lado e visualizou aquela grande área quente e cheia de sangue de seu pescoço. As veias pulsavam chamando por ele. Ele queria experimentar. Ele precisava daquilo. Automaticamente, suas presas já estavam de fora e ele cravou-as naquela pele macia que o satisfez. O garoto arregalou os olhos ao ver aquela terrível cena e rapidamente pulou para cima dos dois, arrancando o capuz grande do misterioso rosto do professor.
  Com os raios do sol na pele do vampiro, sua pele começou a queimar. Não apenas queimar, mas também a se desfazer. Se continuasse ali, morreria. Não conteve o grito de dor. Doía muito. Enquanto tentava se proteger, os humanos fugiram. Não se preocupou. Sabia que eles voltariam porque precisavam dele. Ele era o maior vampiro. Tudo o que procuravam, ele tinha a resposta.
  Ainda em choque, Marianna era guiada pelo amigo meio sem rumo. Aquela cena se repassava em suas mentes e os dois não acreditavam como haviam saído vivos. Precisavam voltar pra casa logo. A humana havia perdido muito sangue e estava correndo risco. Ao abrir a porta, Daniel os recebeu assustado com o estado dos amigos. Não sabia o que havia acontecido, mas aquele machucado exposto no pescoço de Mari estava horrível.
  “Amanda!” – gritavam.
  Ela era a única esperança da salvação da humana. Porém, ao chegarem no quarto, encontraram a vampira desacordada. Seria tarde demais?
  “Ai meu Deus!”– Giuliano ofegou e correu até a cama para reanimar a amiga.
  Cansada e sem forças, Marianna se sentou na cama observando de longe o que acontecia em sua volta. Balançando os ombros do corpo frio que estava em suas mãos, Giuliano tentava fazê-la abrir os olhos. Em instantes depois a vampira gemeu.
  “Me matem.”
  De olhos arregalados, os três assistiram o grande jorro de vômito de sangue que ela tossiu em seguida. Certamente ela estava a beira da morte. Assim como Mari. O lobisomem escorado no batente da porta daquele quarto tenso não se controlou. Saiu dali, não conseguiria ficar olhando-a morrer por nem mais um minuto.
  “Mari precisa beber seu sangue.” -
  “Porque diabos?” – ela grunhiu
  “Ela foi mordida.”
  Amanda estremeceu. A ideia de perder a amiga não passava nem perto dos seus planos. Giuliano murmurou alguma coisa inteligível e saiu. Daniel ajudou a garota a deitar na cama ao lado da amiga e fitou as duas, assustado. As gotículas de suor na testa de Marianna escorriam pelo seu rosto, parecendo lágrimas. Seu corpo estava perdendo calor. Estava tudo frio e sentia um vazio enorme no peito. Se não bebesse o sangue de Amanda o quanto antes, ali seria o seu fim.
  A vampira mordeu seu pulso para que perfurasse a pele com seus dentes pontiagudos e algumas gotas de sangue começaram a se acumular ali. Ela estendeu-o até a amiga e aguardou. Mari se sentou e puxou o braço para mais perto, aproximando da boca. Sem pensar duas vezes, sugou aquele líquido de consistência densa que tinha gosto de ferro. Lembrou de quanto cortou o lábio e o sangue em sua boca lhe deu uma sensação ruim. Dessa vez não parecia tão desagradável. Engoliu com facilidade e voltou a encostar a cabeça no travesseiro.
Sentiu seu pescoço parar de latejar até tudo cessar. Levou a mão para onde a ferida aberta devia estar e não havia mais nada.
  “Quem… Quem foi que fez isso?”
  Fitou Amanda desacordada ao seu lado, o sangue nos lençóis da cama, quando Daniel voltou ao quarto com um pedaço de pano molhado. Ela agradeceu e limpou o sangue que secava em volta de onde estava anteriormente a mordida.
  “Leonard.” – sussurrou entredentes, Daniel cerrou os olhos, fitando o chão pensativo – “Ele é o nosso alvo”.
  “Vou pegá-lo. Me diga onde ele está.”
Mari assentiu. Daniel era um lobisomem, não era páreo para um Original, mas pelo menos era mais forte que os dois humanos.
  “Nós não sabemos. Ele fugiu. Você não teria como… Hum… Farejar? Fazer essa coisa de lobo e tal.”
  Ele fechou os olhos e se concentrou. Respirou fundo e percebeu que estava tudo ali, debaixo de seu nariz. Sentia o perfume de Mari, o sangue da garota, a ferida da vampira, o vizinho morto na sala… Assentiu e tornou a abrir os olhos, percebendo o que era capaz de fazer. Passou a mão no rosto de Amanda como uma breve despedida e saiu também.
  Mari ficou horas ali sentada com a amiga. Muitas coisas passaram por sua cabeça durante aquele tempo que ficou sozinha. Lamentou muito por tudo aquilo. Abriu a boca para falar alguma coisa, mas foi interrompida pelo barulho da porta batendo. Correu para a sala e Daniel caiu no chão. Suas roupas estavam rasgadas, sua pele esfolada, havia muito sangue.
  Se ajoelhou ao lado dele e puxou sua cabeça para que olhasse em seus olhos. Antes que falasse, ele resmungou.
  “Consegui.”
  Seu coração palpitou.
  “Antes que pergunte, eu estou bem.” - bufou em tom de brincadeira, rolando no chão para ficar de barriga pra cima - “Não há porque ficar tão preocupada comigo.”
A garota riu e deu um tapinha nele. Certo, onde estava? O garoto viu a dúvida em seus olhos e sentou.
  “Que foi?”
  “O sangue. Onde está?”
  Ele pigarreou e se levantou colocando as mãos no bolso.
  “Achei que era para matá-lo e, bom, foi o que eu fiz.” – deu de ombros
  “Você o matou?!”
  Ela correu para a porta e abriu-a.
  “Eu arranquei a cabeça dele.” – riu – “Não era?”
  “Não! Quer dizer, fico feliz, mas precisamos do sangue dele para curar Amanda.”
  O lobisomem gargalhou.
  “Me mostre onde ele está.”
  Ele tirou o resto dos panos que formavam uma camisa e vasculhou pela casa outra roupa para vestir. Quando voltou, murmurou.
  “Me siga.”
  Ela pegou uma faca e uma garrafa e os dois andaram muito até um beco onde só havia prédios abandonados, e muito lixo. Era um bairro que uma vez foi incendiado. Estremeceu e então percebeu que estava com frio. Ou talvez haviam muitos espíritos maus por ali. Daniel correu para dentro de um deles e arrastou um corpo até ela. Estava destruído e sem a cabeça.
  Engolindo em seco, Mari se abaixou para pegar um braço e fazer um furo. Aproximou a garrafa e aguardou até que algumas gotas suficiente caíssem. Quando Daniel o colocou-o de volta ao local, eles voltaram para a casa e encontraram Giuliano ali parado em frente à porta.
  “Onde vocês estavam? Eu liguei mil vezes!”
  “Você saiu sem deixar recado. Não sabia se voltaria.” – a amiga levantou a garrafa tirando a chave do bolso e ele assentiu.
  Quando entraram, todos correram para o quarto onde Amanda estava. Marianna se aproximou da beirada da cama e puxou o rosto da vampira forçando-a a abrir a boca.
  “Vamos. Você precisa beber isso.” – implorou
  Daniel estava inquieto. Amanda levantou o braço para pegar a garrafa e bebeu até a última gota. Giuliano se aproximou para ver a ferida se fechar e então sorriu, aliviado. Mari suspirou e limpou a testa com o dorso da mão. O lobisomem passou uma compressa gelada no rosto da vampira que abriu os olhos e os dois humanos os deixaram a sós.
  “Vai dizer o que foi fazer?” – disse Mari quando se sentaram no sofá
  “Bom… Logo, logo o sol vai nascer” – falou fitando alguns raios de sol que escapavam pela cortina – “Então pensei em dar meu anel da luz do dia para Amanda.”
  Ele tirou do bolso um anel prateado brilhante com uma pedra verde em cima.
  “Comprei tudo isso no Ebay.” – riu – “Quem diria que seria útil de verdade.”
  Os dois riram e então Mari adormeceu alguns minutos no ombro do amigo. Estava exausta, mas logo se acordou com dois vultos entrando na sala. Abriu os olhos e se surpreendeu ao ver Amanda diante dela, sorrindo. Se levantou e foi envolvida num abraço.
  “Eu devo minha vida a você.” – sussurrou a vampira – “Eu sei que eu estou morta, e que essa porcaria toda não faz sentido nenhum, mas…”
  “Ei” – Mari a interrompeu – “Eu te amo e sempre vou fazer de tudo para protegê-la.”
  Amanda segurou a mão da amiga e apertou, como um agradecimento, timidamente.
  “E pensar que eu sou a vampira e devia estar protegendo você…”
  “Não pense nisso.” – interrompeu Giuliano – “Estamos todos bem. É o que importa.”
  Os três amigos se abraçaram por um momento e então o garoto estendeu a palma da mão com o anel para ela. Amanda já sabia o que era. Pegou-o e colocou no dedo, calmamente colocando a mão no feixe de sol que estava batendo na parede. Nada aconteceu. Então, correu para a janela e abriu as cortinas com um puxão, deixando o sol tomar conta da sala. Poderia andar pelo sol sem se queimar. Não precisaria ter medo do dia.
  Depois de comemorarem muito, se despediram e cada um foi para sua casa, cansados, mas vitoriosos. Mari se jogou na cama e riu. Riu de tudo aqui que havia passado em um dia. E que dia! Fechou os olhos e adormeceu, um sono sem sonhos.

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