Amanda - Primeira Parte

PRIMEIRA  PARTE

Estava abafado. Não tão frio muito menos calor. Numa pequena casa no meio de uma cidade no sul do estado do Rio Grande do Sul, morava uma garota sonhadora com uma mãe ausente. Amanhecia e a garota ainda se encontrava adormecida embaixo de suas cobertas de plumas. A garota se chamava Amanda.
Ela se revirava na cama. A dor de cabeça intensa não a deixava dormir, decidiu então abrir os olhos finalmente. A primeira impressão que levou é que estava sonhando. Olhou para o teto cor de rosa de seu quarto, mas tudo parecia diferente. Sentou-se finalmente na cama. Não reconhecia mais o antigo armário. A dor de cabeça irritante não havia cessado. Parecia que sua cabeça explodiria a qualquer instante. Colocou sua pantufa lilás e andou devagarosamente até seu guarda-roupa. Escolheu uma roupa confortável e que não desse muito trabalho para vestir.
Andou até o banheiro para escovar os dentes e se apavorou ao ver seu rosto com manchas de um tom meio arrochado embaixo dos olhos. Abriu a gaveta debaixo da pia e tirou um estojo grande de maquiagens. Aplicou o pó mais claro que tinha para combinar com sua pele branca e depois se olhou novamente. Seus cabelos, completamente cacheados, estavam bagunçados e desorganizados. Passou uma escova rapidamente para não se atrasar e se apressou ao passar o lápis de olho.
Seus membros estavam dormentes. Parecia que havia apanhado na noite passada. Mas nada importava. Tudo o que tinha em mente era que estava com fome e precisava comer. A cozinha era próxima ao seu quarto. Passando pelo quarto da mãe não ouviu um barulho sequer. A mãe saíra para trabalhar. Chegou rapidamente para fazer uma fatia de pão com manteiga e queijo com um copo de leite e após a primeira mordida, sentiu que a fome não cessava.
Ao voltar para o quarto, colocou seu abrigo do colégio e segurou a mochila pesada para ir ao à mais um dia monótono de aula. A rua deserta estava tranquila. Ouviu alguns passarinhos assoviarem e poucas borboletas coloridas passarem por ela. O carteiro se aproximava. Logo um cheiro delicioso invadira seu nariz que a fez parar para observá-lo. O cheiro vinha dele.
“Bom dia” – disse o carteiro, apressado.
Ela sorriu em resposta e ele passou por ela com algumas cartas na mão. Ela se virou para acompanhar o cheiro até se misturar com o aroma gostoso das flores ao seu redor. Deu de ombros e continuou seu caminho. A escola era perto de onde morava. Uma escola particular e bem paga, com muitos alunos e bons professores. Sua mãe não tinha condições para pagar, mas o padrasto simpático e rico a ajudara com parte do dinheiro.
Estava atrasada. Apressou o passo, o guarda a cumprimentou e o cheiro delicioso voltara a infestar seu pequeno nariz arrebitado. Ignorou e continuou com seus passos apressados até a sala de aula. Ao abrir a porta foi recebida pela amiga, Mari.
Marianna, a garota magra, alta e morena que a abraçava, sorriu ao ver a amiga. Amanda novamente sentiu o cheiro forte e delicioso, vindo desta vez da amiga. De repente, pareceu que sua gengiva iria explodir. Uma dor forte e imensa começou a enlouquecê-la de uma forma com que seus dentes caninos fossem aumentando de tamanho e ela apenas sentia dor.
Distanciou-se devagarosamente sem que ninguém percebesse e sentou-se em seu devido lugar. Antes mesmo que a aula começasse, Amanda sentiu-se mal, com tonturas e dores de cabeça. O cheiro parecia se multiplicar conforme seus colegas se moviam ao seu redor. Seus dentes ainda estavam enormes e traziam dores fortes à sua boca.
Começou a se concentrar e as imagens de uma série de Televisão vieram à sua mente. Os sentimentos dos vampiros ao estarem em contato com os seres humanos, os dentes à mostra, a dor intensa e a vontade de ter aquele cheiro para si...
Depois de perceber que parecia estar se transformando em uma vampira, um garoto moreno, magro e alto aproximou-se e a abraçou. Giuliano era o nome dele. Seu outro melhor amigo, fofo e carinhoso, ficou a poucos metros de seu rosto, ela sentia seu cheiro doce, vontade de mordê-lo... Olhou para os lados, procurando alguma distração melhor, mas nada tirava a atenção dela do que aquele cheiro...
“Tire Giuliano daqui.” – sussurrou Amanda rapidamente para a amiga que estava ao seu lado.
A garota surpresa, apenas obedeceu sem falar nada, levando Giuliano para perto de seus amigos. Mas, quando sentou-se de volta ao seu lugar, aproveitando para fazer a pergunta e antes que conseguisse terminar, Amanda cuspiu o que a aflingia.
“Sou uma vampira.” – disse com medo.
Mari ficou surpresa com a imaginação fértil da amiga e riu. Amanda fez uma careta. Como ela convenceria Marianna de que aquilo era verdade e que precisava de ajuda? A amiga duvidava da existência de vampiros e que havia um ao seu lado. A garota olhou para a amiga e tirou as mão da boca, deixando à mostra seus pequenos dentinhos pontiagudos.
“Ai meu Deus.” – ofegou a garota, chocada, olhando para Amanda com o rosto vermelho, os olhos marcados, querendo seu sangue.
As duas repentinamente levantaram-se e saíram da sala antes mesmo que a professora as impedisse. Correram para o andar de baixo, Marianna a guiava em direção ao ginásio do colégio aonde as duas poderiam conversar sem que ninguém as visse. A vampira permanecia com dor de cabeça, sentia o cheiro da amiga e controlava o imenso impulso que tinha de acabar com seus ossos e drená-la completamente, sem deixar nenhuma gota de sangue em seu pequeno e frágil corpo. Amanda fechou a porta do ginásio e viu a amiga humana pular de alegria.
“Então, me conte.” – começou, alegre. – “Como é ser uma vampira?”.
A reação inesperada deixou Amanda sem palavras. Antes que pudesse reclamar, a amiga voltou a falar.
“Você pode correr? É parecido com aquela série de TV?” – tagarelava. - “Já mordeu alguém?”.
“Mari! Mari!” – gritou a vampira, impaciente. – “Pare.” – pediu.
Seus sentimentos estavam duplicados, ela sabia. Mas a amiga não estava ajudando muito.
“Pode correr para eu dar uma olhada o quão rápida é você?” – implorou, choramingando.
Rendida, Amanda fez um acordo.
“Vou correr. Mas terá que me prometer que irá parar com as perguntas.” – sussurrou.
A humana sorriu enquanto via a amiga se preparar para correr. O sentimento era estranho quando começou a correr, sentindo o vento passar entre seus cabelos, sem o chão em seus pés. Sem limites. A sensação era boa, era de liberdade. Depois de dar mais de 5 voltas sem parar, Amanda parou em frente à amiga e não se sentia cansada, ofegante. Ao contrário disso ela sentia-se forte e queria correr mais, mostrar sua força à amiga.
“Pode me levantar também?” – perguntou sorrindo.
Revirando os olhos, Amanda obedeceu. Até se sentia melhor que todos por poder ter forças extremamente mais legais que os colegas. O peso da amiga não era absolutamente nada para ela. Ao devolvê-la ao chão, teve que suportar os gritos de alegria.
“Eu adorei! Isso é incrível, Amanda!” – cantarolou Mari correndo até ela para abraçá-la.
Mas, ela ainda não havia se acostumado com a ideia de que a amiga poderia matá-la ou mordê-la. Seu pescoço estava a centímetros da boca dela, evitava não pensar no gosto daquele sangue. Mas o cheiro era irresistível! A amiga não queria soltá-la. Estava tão emocionada com a novidade que ela agora era uma vampira que nem percebeu que quando fazia mais e mais perguntas, o seu humor ia baixando cada vez mais.
“O que mais você pode fazer?” – continuou. – “Pode queimar no sol? Ah! Você tem um anel também...?”.
Ao olhar para a garotinha curiosa que não parava de fazer perguntas sobre sua nova vida, não conseguiu conter a raiva. Em questão de poucos segundos, jogara a amiga contra a parede. Olhou-a levantar-se com os olhos arregalados, e suspirou de alívio. Pelo menos não havia a matado.
“Woooah, que sinistro! Você é beeeem forte mesmo.” - ofegou a jovem, sorridente e surpresa.
Amanda descontroladamente começou a gritar.
“Sério? Eu quase a matei e você acha que foi a melhor coisa do mundo?!”
As duas ficaram em silêncio. Uma completamente feliz e curiosa e a outra incontrolavelmente furiosa.
“Pode me segurar e correr ao mesmo tempo?” – continuou, ignorando o humor de Amanda.
“Não!” – gritou ela. - “Agora chega!”.
Sua voz forte ecoou pelo ginásio. Mas um barulho não cessou. Olhou para a porta e percebeu que ela se abria devagarosamente. Havia alguém ali. Tentou identificar quem era pelo cheiro. Apenas sabia que era um homem. Sua imagem surgiu e Marianna ficou surpresa. Nem sabia que havia alguém entrando no ginásio. Amanda olhou para o rosto de um dos funcionários do colégio e sem pensar correu até ele e cravou seus pequenos dentes em seu pescoço.
A sensação era ótima. Nunca tinha provado nada tão delicioso quanto aquilo antes. Tentou sugar tudo o que podia e conseguia. O homem já não se debatia como antes. Ele estava morrendo e rapidamente não havia mais nenhuma gota em seu corpo. Deixou-o cair para o lado e olhou para a amiga.
Segurou uma risada. Mari estava traumatizada com as cenas que acabara de ver. Ver a própria amiga drenar o corpo de um homem não era algo com que ela estivesse acostumada a ver. Percebeu então que ainda havia sangue em seu rosto. Limpou com a manga do casaco e sorriu para a amiga.
“Desculpe-me. Não consegui evitar” – assumiu.
A garota saiu de transe e assentiu.
“Tudo bem. Estou me acostumando.” – disse rindo. – “Mas, me diga: irá contar isso tudo ao Giuliano?”.
Ao lembrar do amigo, teve uma sensação ruim. Como seria viver assim para sempre. Provavelmente teria que sair da escola, abandonar sua casa. Morar sozinha. Seus pensamentos foram interrompidos pelo sinal. Hora do recreio.
“Vamos sair. Apenas finja que nada aconteceu.” – implorou ela abrindo a porta do ginásio.
A amiga ficou para trás.
“E o que vamos fazer com ele?” – murmurou apontando para o corpo do homem no chão.
Revirando os olhos, Amanda arrastou-o para a sala antiga de ginástica onde havia apenas cadeiras para eventos do colégio. Por enquanto ele ficaria ali. Depois pensaria em um lugar melhor para colocá-lo.
Saindo do ginásio, recolheu os dentes vampirescos, depois de várias vezes tentando, e seguiu para onde os amigos ficavam. Onde encontrou Giuliano, esperando-a com um sorriso nos lábios. O que elas contariam a ele?
“Perderam a prova de física.” – avisou. – “Estava difícil.”
Marianna fez uma cara triste e abraçou-o enquanto Amanda mantinha-se distanciada.
“O que aconteceu afinal? Porque as duas estão tão misteriosas?” – sussurrou.
Amanda franziu o cenho, fingindo não entender o que ele falava. Mas a amiga entendeu o recado e logo começou a falar.
“É que a Amanda pegou um resfriado e se ela ficar muito perto das pessoas ela pode contaminar todo mundo...” – mentiu a garota.
O jovem desejou sorte com a saúde e o sinal tocou. Suspirando de alívio, as duas foram juntas para a sala guardar o material para ir embora. Não conseguiriam passar nem mais uma hora dentro daquela sala. Quando sentiu a presença de alguém diferente. Olhou para trás e era apenas uma amigo.
“Matando aula... que feio Amanda.” – disse brincando quando passava por elas.
Mari se inquietou e chamou-o para conversar. Ele voltou sorrindo e finalmente deu um ‘oi’ adequado a cada uma. Amanda sentiu seu cheiro. Não era o mesmo cheiro que sentia ao cheirar Marianna ou Giuliano. Era um cheiro que não era bom. Era amargo. Franziu a testa, como uma careta e olhou-o.
“O que estava fazendo fora do colégio?” – perguntou Mari para o amigo.
Ele, todo orgulhoso, mostrou uma medalha de ouro para as duas e sorriu.
“Competição de Judô.” – respondeu.
Mari olhou para ele e teve uma brilhante ideia.
“Parece que a Amanda quer treinar um pouquinho. Quero ver quem vai ganhar. Eu aposto nele.” – disse ela com um olhar malvado no rosto.
As duas se olharam e o garoto se levantou, deixando a mochila no banco. Frente a frente, Amanda e o amigo se olharam e começaram a tentar se derrubar. Parecia que ele era mesmo forte. Mas como era possível um humano ser mais forte que um vampiro? Com certeza havia algo muito sobrenatural ali no meio que ela iria descobrir.
Tentou de todas as maneiras, mas quem acabou ganhando fora ele. Mari ao invés de bater palmas fitou a amiga. Como aquilo era possível? Só havia um jeito de descobrir. Os dentes já estavam expostos e correram ao encontro do pescoço dele. Ao sugar o sangue, Amanda sentiu que ele era mesmo diferente apenas por ver sua reação.
“Você também?” – perguntou limpando o sangue e as duas assistiram o buraco em seu pescoço cicatrizar automaticamente.
“O que você é?” – perguntaram as duas se levantando, protegendo-se.
Ele sorriu e inclinou a cabeça.
“Sou um lobisomem.”


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